Gabriel Villela encena 'Peer Gynt', o Macunaíma norueguês de
IbsenSaga do autor norueguês é embalada por clássicos do rock
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Leandro Nunes,
O Estado de S. Paulo
29 Setembro 2016 | 04h00
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Antes que o termo globalização circulasse pelos quatro
cantos do mundo moderno, o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen já testava em uma
peça as teorias de integração econômica, social, política e cultural. Para
isso, o personagem criado não poderia estar preso a nenhuma cronologia tampouco
ao ano 1867, quando o texto foi publicada. “Ele orbita o universo de Saturno, o
deus do tempo”, aponta Gabriel Villela, que estreia nesta quinta-feira, 29, o
espetáculo Peer Gynt, na reabertura do Teatro do Sesi.
Na saga, o jovem rapaz abandona sua vila natal na Noruega e
parte com o desejo de conquistar o mundo. Em seu caminho, Gynt vai se deparar
com duendes, trolls e ninfas.
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Peer Gynt
Às avessas. Obra ironiza a força do amor romântico e do
matrimônio
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Cheio de ambição, o rapaz passa a ganhar dinheiro
ilegalmente e ainda vai comandar o tráfico negreiro e comércio de imagens
sagradas. “No começo, ele é bastante inocente, mas, ao longo da jornada, vai
realizando coisas de acordo com seus desejos, não se importando com as
consequências”, explica o ator Chico Carvalho, que interpreta o personagem.
Gynt ainda vai ser tachado de louco, coroado como O
Imperador de Si Mesmo e interditado em um manicômio na cidade do Cairo. “Aos
poucos, ele percebe a consequência de seus atos e para onde foi levado”, relata
o ator. Sem limites ao costurar misticismo a temas terrenos, como lucro
ilícito, racismo e exploração, a montagem acessa a urgência desses dois mundos,
conta Villela. “A realidade é o mundo dos desejos e o personagem não tem medo
de assumir isso.” Para ele, Gynt habita um panteão ao lado de Dom Quixote e de
Hamlet. “Ibsen cria um herói antirromântico e egocêntrico, ao contrário do
delírio altruísta do personagem de Cervantes ou do retrato dramático do
príncipe de Shakespeare.”
O que vai embalar essa personalidade excêntrica é o que
impulsionou as multidões apaixonadas pelos Beatles, explica o diretor musical
Marco França. Há canções como Yellow Submarine, além as de outras bandas de
rock como Queen e The Doors. “Elas alimentaram uma estética sonora que serviu
de combustível para um espírito transgressor”, explica França sobre a adaptação
que tem foco no público jovem.
Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO
Peer Gynt
Global. Máscaras étnicas dão acesso ao mundo mítico
Apesar de desmantelar as fronteiras, sobre Gynt pesarão as
consequências. O que é interessante, aponta Villela, é que a culpa não tem
origem religiosa. “Ele representa a classe dos países capitalistas, que
defendia o comércio de escravos. No entanto, ele percebe suas culpas sem a
ajuda da Igreja ou de códigos morais”, diz. Gynt é tão transgressor que parte
do alto capitalismo à alta profecia.
Ao deixar a Noruega, o personagem ironiza a própria
trajetória dos líderes espirituais e se encaminha para um deserto. “Em uma
passagem da Bíblia, Jesus vai até lá para conhecer a si mesmo.” E como ele,
Gynt também vai sofrer com as investidas de Aslak, um ferreiro com feições
diabólicas.
Um capítulo especial serviria para discutir a maneira como
Villela conduz a encenação. O conjunto de quimonos utilizados por parte do
elenco masculino possui dupla face. Em uma delas, estampas com motivos
geométricos e do outro lado delicadas imagens de flores. “Não era do agrado dos
árabes utilizar representações do mundo visível em coisas concretas.
O outro lado do figurino retoma as florestas norueguesas.”
As peças que acompanham essa saga multicultural vão de chapéus bávaros,
passando por máscaras étnicas que revestem os trolls e as cartolas dos
capitalistas, até sombrinhas orientais.
E tal qual os anéis circulares de Saturno, o tempo cíclico
será o verdadeiro algoz do personagem. O destino de Peer Gynt será o mesmo da
parábola do Filho Pródigo: voltar com as malas cheias de ilusão. “É o eterno
retorno”, completa Villela.
PEER GYNT. Teatro do Sesi. Avenida Paulista, 1313. Tel.:
3528-2000. 4ª, 5ª, 6ª, 15h; sáb., dom., 15h30. Grátis. Estreia 29/9. Até 16/12.
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