
segunda-feira, 10 de junho de 2013
A epifania ou como o teatro superou o futebol
por Eduardo Moreira 5 de junho, 2013, 8:44
Finalmente estreamos nosso “Gigantes da montanha”. O cenário não poderia ter sido mais apropriado – a praça do Papa, diante da magnífica serra do Curral, no bairro das Mangabeiras, de onde se descortina uma bela vista da cidade ao fundo do nosso cenário. O lugar já se transformou num teatro ao ar livre permanente do Galpão. Foi lá que o grupo estreou a primeira e a segunda versões de “Romeu e Julieta” , as montagens de “Um Moliere imaginário” e “Till, a saga de um herói torto”. A praça foi também palco de nossas comemorações de vinte, vinte e cinco e trinta anos em BHZ . É triste e lamentável pensar que a mineradora MBR transformou aquele magnífico cenário num outdoor de montanha. Nosso único consolo é que fizemos o espetáculo de frente para a parte que ainda ficou de pé. E o cenário ainda é imponente, configurando-se uma verdadeira ágora grega.
O espetáculo foi abençoado por São Pedro, que nos deu uma providencial trégua aos quarenta e dois minutos do segundo tempo. Choveu na quinta, dia trinta, até quase `as 17 horas. O tempo só firmou mesmo nessas três horas antes do espetáculo, mantendo-se firme na sexta,sábado e domingo. Foram noites esplêndidas, com um agradável frio de outono, que nos fazia lembrar dos tempos em que Belo Horizonte ainda desfrutava de um clima frio e suas ruas tinham mais casas e menos asfalto e tantos automóveis. Na segunda voltou a chover forte na cidade.
Foi muito emocionante ver a praça apinhada de gente acompanhando, em silêncio atento e respeitoso, os oitenta minutos da peça. Sem dúvida, os encontros do Galpão com o público da cidade já se tornaram um acontecimento único nas artes cênicas mundiais. Em que outro lugar do mundo um grupo de teatro consegue reunir em quatro dias um público assim tão numeroso? Só para se ter uma ideia: uma peça apresentada no palco, com uma media de 250 espectadores por função, teria que fazer cem espetáculos para atingir aproximadamente essa marca de público. E tudo isso transcorreu sem nenhum incidente ou briga, nenhuma notificação policial. A única manifestação de desagravo se deu quando uma parcela do público que havia chegado quase duas horas antes do espetáculo e estava sentada no alto das escadarias, viu sua visão tampada por retardatários que se recusavam a se sentar.
Protegidos pelos santos e alojados nessa bela paisagem, recebemos com nossos Gigantes um público estimado entre 20.000 ( estimativas da polícia militar) e 26.000 ( estimativa dos organizadores). Um acontecimento que mexeu com a vida da cidade. A capa do jornal “O Estado de Minas” do dia 30 de maio foi mais uma prova disso. O Galpão e sua estreia ocupavam mais da metade do espaço da primeira pagina, superando de longe o espaço reservado a um jogo de futebol do representante mineiro e único ainda nacional na Copa das Libertadores da América, acontecido no mesmo dia.
E a recepção do público superou em muito nossas expectativas. As pessoas estavam vidradas ao final, exaltando principalmente o visual do cenário, dos figurinos, a direção e o trabalho dos atores. Muitos vivas foram dados `a nova parceria do grupo com a estética arrebatadora de Gabriel Villela.
Francesca della Monica, nossa fada/bruxa italiana, que durante esses meses de ensaio expandiu nossa vozes pelo espaço e nos contagiou ainda mais de Pirandello com sua paixão pelo autor siciliano e seus Gigantes, comemorava, extasiada, essa verdadeira epifania teatral nascida do encontro das palavras mágicas de Pirandello com o encantamento da encenação de Gabriel e a dedicação de nosotros, atores do Galpão. No dia seguinte `a estreia de quinta-feira, falávamos da satisfação que Pirandello teria sentido em assistir seu teatro e sua poesia reverberando intensamente para mais de cinco mil pessoas numa praça pública.
Momentos como esse, com toda a certeza, reafirmam a força avassaladora advinda do encontro entre o público e os atores no teatro e reacendem a esperança numa sociedade capaz de se integrar, se reunir, compartilhar sonhos e buscar soluções coletivas. Como na utopia defendida por Zé Celso Martinez de que o teatro voltasse a emergir como uma força coletiva comparável nos dias de hoje ao espetáculo do futebol, como acontecia nos tempos dos festivais de teatro da Pólis grega. A estreia dos “Gigantes ” na praça do Papa fica na nossa memória como mais um desses momentos mágicos de comunhão do teatro com o público tão pródigo na história de mais de trinta anos do Galpão. Momento febril, habitado por pirilampos encantados que logo se desaparecem na poeira do instante. Quem viu, viu. Quem não viu…
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->Pirandello, Gabriel Villela, Scaldati e o Grupo Galpão
por Comunicação Grupo Galpão 7 de maio, 2013, 12:18
por Francesca Della Monica
Nos Gigantes da Montanha de Gabriel Villela e do Grupo Galpão três lendas se reúnem: a de Franco Scaldati, o jovem alfaiate de Palermo, que escreveu e encenou em sua oficina histórias extraordinárias; a do tecelão de uma linguagem pura e primitiva, representada pela escrita de Pirandello; e a do tear/teatro de Gabriel Villela. Todos os três artistas reconhecem a cena como uma forma de arte que implica imediatamente no homem, que o engole, digere-o…. que o obriga a viver, conhecer e entrar em conflito.
Uma obra-mundo onde o dramaturgo, diretor e atores tentam desvendar o monumento artístico que é o ser humano, sua fisicalidade, as múltiplas facetas do seu universo interior, cada um dos quais sendo uma perspectiva de visão do mundo, a sua luz e sua escuridão. “Os Gigantes da Montanha” do Grupo Galpão e Gabriel Villela é uma redescoberta das vozes profundas nas quais que a vida flui impetuosa. A linguagem como um meio de comunicação: Scaldati elege um discurso claramente antigo e pós-moderno, um siciliano que destila sons, ritmos, significados. Os dialetos, a semente que está fluindo, a raiz que atinge 8000 anos de civilização, uma viagem às origens: a sua palavra se espalha por um conhecimento denso, arcaico, primitivo, e expressa o relacionamento com essas raízes antigas. Sicília e Minas Gerais com seus mundos de sonho e fatos mitológicos, de pontos de vista extremos, onde a violência é acompanhada por doces momentos de ansiedade, estabelecendo um absoluto de tensão poética, em que o corpo-voz do poeta e dos jogadores perseguem a utopia de uma liberdade interior que só a vida fora das regras pode garantir até o fim.
Histórias dos anjos caídos em lugares diferentes, distantes e próximos, mas perto de um teatro onde a solidão das vozes se transformam em uma polifonia atemporal que chega ao verdadeiro encantamento.
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->A travessia do deserto
por Eduardo Moreira 9 de abril, 2013, 10:51
Estamos naquele ponto dos ensaios de “Os Gigantes da Montanha” conhecido como “a travessia do deserto”.
Os personagens vão sendo esculpidos, as cenas levantadas, um espírito individual e coletivo vai sendo moldado.
Como diria nosso amigo Ulisses Cruz, “um cego tateando no escuro, buscando conduzir outros doze cegos numa sala escura”.
A criação é um permanente desencontro na busca de se encontrar algo.
Tentativa e erro na procura de tornar palpável algo de imponderável.
Alguma coisa chamada personagem que te persegue vinte e quatro horas por dia, que você vai conhecendo cada vez mais através de suas palavras, para quem vamos tentando moldar um corpo e uma voz, uma visão de mundo, um modo de se relacionar com os outros, mas que ainda nos é estranho.
Como um apêndice que muitas vezes destoa e nos desequilibra. A queda que nos faz levantar, quase sempre de forma diferente.
Algo que começa a te pertencer e fazer parte de seu corpo e do seu espírito, mas que subitamente te escapa.
Uma miragem no deserto. Um oásis que parece estar próximo e que, de uma hora para outra, se torna mais distante ou desaparece.
Uma inquietação que te arranca do tempo histórico e te lança num tempo mítico. Um tempo que te aparta de datas, fatos, jornais, encontros sociais, compromissos. O mergulho no universo da pura ficção.
Arrebatamento que necessita de silêncio e solidão para nos nutrir de forças suficientes para a travessia em seu ponto mais distante e ameaçador.
Como um náufrago disposto a se agarrar a qualquer coisa para não sucumbir ao fundo do mar. Aprendiz de mago que desenha maravilhas nos vãos das sombras.
Alquimista da incerteza mergulhado na inquietação de uma permanente embriaguez celeste. Desbravador de buracos negros em busca de fantasmas.
Andarilho da loucura desprovido de rumo e de direção
Ser atirado no olho do furacão.
O ator no meio da travessia do deserto.
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->Grupo Galpão – História de Encontros no Chile
por Comunicação Grupo Galpão 19 de fevereiro, 2013, 16:18
O chileno Osvaldo Obregón enviou-nos, por e-mail, um belo depoimento sobre a apresentação do Grupo Galpão no Festival Santiago a Mil e sobre o livro “Grupo Galpão: Uma História de Encontros”, escrito por Eduardo Moreira. Confiram a seguir:
“Tu regalo “Historia de encuentros” ha sido mi libro de cabecera después del FIT Santiago a Mil y durante mi estancia en Valdivia. Te transmito el comentario prometido en una apretada síntesis: 1) Muy acertado el título, que corresponde perfectamente a los encuentros del Galpón (prefiero usar la traducción al español, ya que es difícil encontrar el acento portugués de la palabra); 2) Es impresionante la amplitud nacional e internacional que ha logrado tener el Galpón en su historia de 30 años; 3) Es muy rico el bagaje teatral que tú has ganado desde su fundación, tanto a nivel teórico como práctico. Mencionas a casi todas las grandes figuras y corrientes contemporáneas que han aportado a la dramaturgia textual y escénica. Entre los clásicos se destaca Shakespeare, en particular gracias al montaje de “Romeo y Julieta”. También se menciona a Molière; 4) He aprendido mucho sobre el teatro brasileño (que he podido ver en los festivales de Cádiz y Almada), gracias a que el Galpón ha trabajado con los grandes maestros nacionales; 5) El libro es una mezcla amena de testimonios, narración y reflexión; 6) No es común que una compañía estable tenga tal longevidad. En general, durante los primeros años, se produce una confraternidad idealizada y después comienzan los conflictos interpersonales. Al parecer, el Galpón ha logrado mantener una sana convivencia; 7) El período en que el Galpón incursiona en el cine es atractivo y se habla de la mezcla cine-teatro, que es una tendencia actual presente en Italia, Chile y otros países; 8 ) La lectura me ha servido también para saber algo más de Inés Peixoto como actriz del Galpón; 9) Si hubiera por ventura una nueva edición del libro, valdría la pena re-elaborar el final, el cual me parece muy abrupto, sin una síntesis con las debidas conclusiones; 10) El Galpón ha practicado el teatro de sala, pero especialmente el teatro de calle o al “aire libre”. Me parece que han incursionado en muy variados aspectos del espacio teatral de esta última categoría, salvo en uno: actuar en un estadio de fútbol. Esto se ha producido en varios países. Vi hace algunos años en el Estadio Nacional de Francia en París un montaje de “Ben Hur”, de gran calidad, dirigido por Robert Hossein. Se hicieron varias representaciones con mucho público. En Chile se produjo un fenómeno que no tiene precedentes, que yo sepa, en el resto del mundo. Entre 1940 y 1973 se fue gestando progresivamente, sin que nadie lo programara, un teatro popular de masas, con motivo del “clásico universitario”, debido a la confrontación de los clubes deportivos profesionales y rivales de la Universidad de Chile y de la Universidad Católica. Paralelamente al partido de fútbol, las barras universitarias competían también, presentando cada una un espectáculo, que tenía como escenario todo el rectángulo de juego, más la pista de ceniza, la torre del marcador y la puerta de maratón, como entrada y salida a escena. Participaban cientos y miles de actores, bajo la tutela de un director y varios sub-directores, en dos versiones: la diurna y la nocturna. Este espectáculo convocaba cada vez 60 y 70 mil espectadores de ambos sexos y de todas las edades. Sobre este tema se va a publicar a mediados de marzo y por primera vez en Chile, un trabajo mío, ya publicado íntegramente en francés y catalán en sus respectivos países, con versiones parciales en español (Canadá, España, Francia y Guatemala) e igualmente en inglés (USA). Si me das tu dirección postal, tendré el placer de enviarte el libro por publicar en Chile.
Leyendo tu historia del Galpón me ha parecido que el escenario de un estadio sería un bello desafío para tu compañía, bajo la condición de contar con un centenar de “extras”, mediante una “parcería”.
Felicitaciones, entonces, por este libro que condensa la memoria del grupo desde su nacimiento y que perdurará como principal testimonio de la trayectoria del Galpón. (¿Tiene alguna relación con el también famoso Galpón de Montevideo, liderado hasta su muerte por Atahualpa del Cioppo?).
Un abrazo grandote para ti e Inés, Osvaldo Obregón”
http://www.grupogalpao.com.br/blog/
Galpão no Chile, em 2013. Foto: Babaya

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