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Temas eternos tornam Shakespeare um autor sempre atual, diz Jô Soares
15/04/16 às 14:52 Folhapress
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WALTER PORTO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os textos de William Shakespeare serão sempre atuais porque ele aborda temas eternos e tinha grande preocupação em ser compreendido pelo público. As conclusões são do apresentador Jô Soares, que participou do debate promovido pela Folha de S.Paulo nesta quinta (14) no auditório do Centro Brasileiro Britânico. O evento foi uma parceria do jornal com o British Council e ocorreu em homenagem aos 400 anos da morte do bardo. A mediação foi de Nelson de Sá, jornalista da Folha. Jô exemplificou as afirmações com a leitura de um trecho de "Tróilo e Créssida", peça que ele traduziu e estreará no segundo semestre deste ano, em que dois subordinados do guerreiro Aquiles trocam uma série de insultos, dos mais criativos. "Determinadas cenas me lembraram muito de diálogos que acontecem agora, sobre o impeachment," disse. "É uma discussão política que nunca termina." O diretor teatral Gabriel Villela exibiu um vídeo da apresentação histórica de "Romeu e Julieta" que ele montou com o Grupo Galpão no Shakespeare's Globe, em Londres, em 2000. O trecho mostrado foi o da cena do balcão, uma das mais famosas do espetáculo, toda interpretada em português. "Chegamos a uma representação que transcende o idioma. Houve, ali, uma comunicação para além disso," disse o encenador, em referência à plateia da ocasião, quase toda anglófona. Jô admitiu que, durante a exibição do vídeo, prestou mais atenção ao público. "Dava pra ver neles uma expressão de alegria, prazer. Você via que eles gostavam porque estavam conseguindo entender." Villela disse que buscou inspiração em Guimarães Rosa e na cultura do que chamou de "Brasil profundo" para criar um diálogo entre as obras clássicas britânicas e a cultura oral brasileira. Segundo ele, ali os atores falam "mineirês". Greg Hicks, ator britânico da Royal Shakespeare Company que fechava a mesa de debate, também é um adepto do sincretismo entre culturas. Ele dirige uma montagem de "Macbeth" que estreia dia 20 no Centro Cultural Banco do Brasil e tem forte influência da capoeira e de ritmos afrobrasileiros. "Parecia um casamento improvável, mas estou usando a música brasileira para escancarar o texto," disse. "O Brasil abriu minha perspectiva de Shakespeare." Para o ator, que já interpretou personagens como Rei Lear, Iago, Júlio César, Brutus e Coriolano, o bardo é tão lendário por conseguir manipular a palavra de modo a "mudar em um segundo a maneira como pensamos e sentimos". "Diz-se que o universal está nos detalhes, e não há ninguém mais detalhista que Shakespeare", defendeu Hicks. "Ele é universal, atemporal e o libertador máximo." Jô se declarou interessado na personalidade do próprio Shakespeare. "Ele nunca se definia como autor ou dramaturgo, mas como empresário," lembrou. "E tinha uma preocupação profunda com a plateia: a segunda entrada do fantasma de 'Hamlet', que é dispensável, ele só colocou lá para as pessoas que chegaram atrasadas e perderam a primeira." Hicks aponta que ainda há muito que não se sabe sobre o autor. "Há um elo perdido. Talvez ele não tenha escrito todas essas peças. E eu não ficaria totalmente surpreso se se descobrisse que ele era italiano, por exemplo." O que é indiscutível, para Hicks, é seu caráter profundamente humanista, capaz de abrir a imaginação de qualquer um. "Suas peças não julgam, elas nos expõem a extraordinária complexidade da natureza humana. E suas palavras vão além de fronteiras de tempo, espaço e gênero." Villela ilustra essa universalidade relatando um episódio numa apresentação de "Macbeth" para uma casa de senhoras idosas. Após a célebre fala em que Lady Macbeth diz que partiria a cabeça de seu filho se assim tivesse jurado, Villela ouviu uma voz do fundo da plateia soltar espantada, com forte sotaque caipira: "nossinhora". "Isso é a síntese de Shakespeare," arremata o diretor.
https://www.bemparana.com.br/noticia/439082/temas-eternos-tornam-shakespeare-um-autor-sempre-atual-diz-jo-soares
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