quarta-feira, 13 de julho de 2016

Veias latino-americanas 

Dirigida por Gabriel Villela, peça com Walderez de Barros chega a BH

Enviar por e-mail
Imprimir
Aumentar letra
Diminur letra
Fonte Normal
3h00
FELIPE BUENO
ESPECIAL PARA O PAMPULHA
O diretor mineiro Gabriel Villela, 57. tem uma trajetória ímpar no teatro brasileiro. Uma de suas características marcantes é mergulhar profundamente na cultura regional com o intuito de aproximá-la do teatro, dando a ela, ao mesmo tempo, um sentido universal. No espetáculo “Rainhas do Orinoco”, que chega a Belo Horizonte para duas apresentações, dias 16 (sexta) e 17 (sábado), no teatro Bradesco, o artesão do teatro reafirma essa qualidade.
“Rainhas do Orinoco” traz a consagrada Walderez de Barros na pele da madura atriz de teatro Mina, e a elogiada Luciana Carnieli como Fifi. À bordo de um barco, as personagens percorrem o rio Orinoco, o principal da Venezuela, e, a cada parada, a aventura revela-se repleta de drama e bom humor. Juntas, Mina e Fifi percorrem o continente para chegar aos grotões da Amazônia.
O texto do mexicano Emilio Carballido (1925- 2008), na releitura de Villela, é responsável por criar uma ponte continental. “A peça tem essa relação visceral com a América Latina. O texto é uma espécie de convocação à criação dramática da vida cotidiana de duas pessoas comuns. Na imensidão do território equatorial, duas coristas, ao estilo ‘Thelma e Louise’ (personagens do road-movie do mesmo nome, 1991), estão à deriva, num barco, rio abaixo”, conta o diretor.
A trama se desenvolve a partir do próprio fluído do rio e cria um contraponto ente Mina e Fifi. A primeira, ainda que convicta do seu ofício, experimenta a amargura daquilo que lhe é reservado. Já a segunda, uma jovem, enxerga o mundo com mais otimismo. “Carballido conta a história dessas duas personagens como uma comédia. Poderia ser contada como uma tragédia, já que a situação que as duas vivem é desesperadora. Mas Mina e Fifi não são humoristas, não querem fazer graça, elas apenas mostram os acontecimentos de uma maneira que se tornam cômicos”, pontua Walderez.
Para a atriz, a peça fala também sobre a identidade brasileira. “Para usar uma expressão que está na moda, a peça fala do Brasil profundo. O que Gabriel fez, usando a linguagem cênica do circo-teatro, foi evidenciar a presença brasileira nesse universo colorido mexicano, especialmente através de algumas músicas”, comenta.
A trilha sonora abandona as referências mexicanas originais e traz a dupla Cascatinha & Inhana, o que não distancia a trama da concepção inicial. Muito pelo contrário, a adequação promove uma aproximação com a cultura brasileira. “As músicas são mais conhecidas no Brasil. Embora perca as referências mexicanas, as canções de Cascatinha & Inhana traduzem a mesma vontade do autor. Ele suspende a ação, à maneira do teatro de revista, e insere a música para comentar algo sobre as personagens”, analisa Villela. A direção musical da peça é da mineira Babaya e os arranjos elaborados pelo musicista, diretor e ator Dagoberto Feliz.
Política
Para Villela, a história revela a falta de rumos na política da América Latina, independente de ideologia e partido. “O espetáculo fala dessa espécie de condenação de eternos colonizados. ‘Rainhas do Orinoco’ é uma comédia bem estruturada do início ao fim. As histórias das personagens passam a ser de todos nós, em razão do conceito desse grande barco à deriva”, aponta.
Segundo o diretor, que tem uma relação estreita com Minas Gerais, por conta da família e do teatro – ele nasceu em Carmo do Rio Claro, no Sul do Estado, e tem trabalhos importantes por aqui, como a direção do espetáculo “Romeu e Julieta”, do Grupo Galpão e desenvolve, no momento, o projeto teatral com o grupo mineiro Maria Cutia –, o espetáculo contém referências do escritor João Guimarães Rosa, ainda que implicitamente.
“A peça é bem mineira, mesmo tendo sido escrita por um mexicano e percorra a Venezuela”, defende. “É um adubo, um esterco, um carinho lindo”, comenta Villela sobre a associação do texto com a cultura mineira e os rios que banham o Estado. “Guimarães Rosa não sai da cabeceira da cama, é a Bíblia, o Evangelho de quem faz teatro”, acrescenta.
Parceria
Aos 75 anos de idade, destes mais de 50 de carreira, Walderez vive uma situação inversa à da sua personagem, que está no fim da estrada e luta para sobreviver. “Não há glamour nisso. Mas a história contada na peça não mostra apenas a situação de artistas decadentes, fala de duas pessoas desamparadas e sozinhas, mas corajosas, que em determinado momento da peça, devido a acontecimentos inusitados, ficam à deriva nesse barco. À deriva, como todos os seres humanos”, diz.
A parceria Walderez -Villela não é de hoje. Começou em 2002, com a peça “A Ponte e a Água da Piscina”, seguida por “Fausto Zero”, de 2004, e “Hércuba”, em 2011. E a relação profícua dos dois no trabalho estende-se para a vida. “Walderez é uma grande diva do teatro nacional e dispensa apresentações. Ela sabe tudo da nossa história, já fez de tudo. Temos muito que aprender com ela. Ela se tornou, desde o primeiro espetáculo, uma companheira. Walderez é animadora da alma alheia, muito generosa”, elogia Villela.

Rainhas do Orinoco
Teatro Bradesco (r. da Bahia, 2.244, Lourdes, 3516-1360). Dias 16 (sáb.), às 21h, e 17 (dom.), às 19h. R$ 70 (setor 1, inteira) e R$ 50 (setor 2, inteira).http://www.otempo.com.br/pampulha/almanaque/veias-latino-americanas-1.1335102


  

Nenhum comentário:

Postar um comentário