quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

http://www.dcomercio.com.br/2014/01/15/sinfonia-da-inveja Sinfonia da inveja Imprimir Detalhes Publicado em Quarta, 15 Janeiro 2014 21:26 Escrito por Sérgio Roveri Share on facebook Share on twitter Share on google_plusone_share More Sharing Services 2 'Um Réquiem para Antonio': inspiração circense para lembrar a polêmica Salieri/Mozart. / João Caldas Filho Poucos episódios ligados à música clássica resistiram tão bem ao tempo, e foram explorados de maneira tão apaixonada pelo cinema e literatura, quanto a figadal inveja que o músico italiano Antonio Salieri (1750-1825) teria nutrido pelo genial compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). É bem provável que a relação entre os dois tenha comportado sentimentos mais nobres, mas foi principalmente a inveja que a história fez questão de preservar. E é ela também, a inveja, que serve de combustível para a peça Um Réquiem Para Antonio, que entra em cartaz amanhã, 17, no Teatro Tuca Arena. No texto, escrito pelo jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto, Salieri (papel do ator Elias Andreato) é flagrado em seus últimos dias de vida, já invadido pela loucura mas ainda determinado a acertar as contas com Mozart (Claudio Fontana), morto 34 anos antes. “De acordo com os fatos reais, Salieri não tinha motivos para ter essa inveja obsessiva e doentia da fama de Mozart, muito menos para querer envenená-lo”, diz Dib Carneiro. “Salieri foi muito respeitado nos meios musicais de sua época, o que é atestado pelas biografias mais sérias. O que de fato havia da parte dele era, muito mais, um grande ressentimento por saber que, apesar da fama que tinha e do respeito que conquistou por seu inegável talento, ele não nasceu com a genialidade de Mozart”. A montagem, dirigida por Gabriel Villela e que traz no elenco as atrizes-cantoras Nábia Vilela e Mariana Elizabetsky e o pianista Fernando Esteves, é inspirada na linguagem circense – Mozart, retratado como um jovem ágil e irreverente, e Salieri, sisudo e sombrio, surgem em cena usando nariz de palhaço. O caráter lúdico da encenação é reforçado pelos figurinos de José Rosa e os adereços feitos pelo artista plástico potiguar Shicó do Mamulengo. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo dramaturgo Dib Carneiro Neto ao Diário do Comércio: Diário do Comércio: Qual foi a grande descoberta, pessoal ou musical, que você encontrou ao pesquisar as vidas de Mozart e Salieri? Dib Carneiro Neto: Não sei se chamaria de descoberta, mas, quanto mais eu pesquisava os fatos reais e mais eu perseguia a verdade descrita por biógrafos e documentaristas, mais eu adorava constatar o poder avassalador da ficção eterna que se criou em torno da figura deles. As relações inventadas entre Mozart e Salieri são um caso apaixonante de hegemonia da imaginação. E tudo em nome de uma causa estupenda: retratar esse sentimento inquietante, universal e atemporal que é a inveja. Você acredita que a história tenha sido injusta com Salieri? A lenda da inveja de Salieri por Mozart acabou predominando. Ganhou status de mito. Sempre que alguém quer citar um caso de inveja da criação artística, o primeiro exemplo que surge é esse. É um caso típico de “imprima-se a lenda”. Mas Salieri foi, em seu tempo, um compositor e músico extremamente talentoso e com uma reputação de mestre, sendo patrocinado pela realeza da época e tendo ocupado os melhores cargos em grandes instituições musicais. Seu texto exigiu que os atores aprendessem ou tivessem alguma noção de música? Todo bom ator sempre está preparado para os mais variados desafios artísticos de seu ofício, como saber cantar e tocar instrumentos, por exemplo. Aponto no meu texto a importância fundamental de se ter um piano em cena, mas minha sugestão não passa disso, deixando a decisão da parte musical inteiramente para a direção. Você acredita que, caso tivesse vivido nos nossos dias, Mozart seria um ídolo pop em função da vida que ele levou? Acho que sim, muito embora hoje em dia, para se virar ídolo pop, o que menos conta é o talento. Mas é preciso tomar cuidado com a caricatura que se faz de Mozart, com os estereótipos que a ficção ajudou a criar sobre ele. Assim como a inveja de Salieri foi carregada nas tintas e virou mito, a personalidade exageradamente extrovertida e as atitudes inconsequentes de Mozart também não correspondem totalmente à realidade. Ele foi, digamos assim, “um menino maluquinho” de sua época, mas não tanto assim. Qual foi o principal viés, ou achado, a partir do qual você sentiu que tinha uma história nas mãos? Minha peça é mais um produto ficcional, e não documental, sobre a vida dos dois. O texto bebe muito na fonte dessas lendas em torno deles, admito. Sem isso, o tema borbulhante e sempre atual da ‘inveja da criação’ esmaeceria, perderia a força. A realidade pode não ter sido tão forte quanto hoje é o mito, mas o fato é que esse imbróglio musical entre Mozart e Salieri terminou virando um dos mais belos e ricos tratados sobre a inveja. Na sua opinião, qual foi o fator determinante para que Mozart se tornasse Mozart e Salieri se tornasse Salieri? A época em que viveram certamente determinou o que se tornaram. O gênero de música que ambos faziam era bem mais valorizado como forma de expressão, como tradução de sentimentos, do que hoje. A ópera era prestigiada mais amplamente, os valores artísticos eram mais altos e nobres. Estudar e se dedicar rendiam frutos e eram o único caminho para se perseguir a notoriedade e o reconhecimento. Ao longo dos séculos, o descartável, o fútil e o rasteiro roubaram o lugar do sublime na arte. Um Réquiem para Antônio. Sexta (17). Teatro Tucarena. Rua Monte Alegre, 1024, Tel.: 3670-8455. Sexta e sábado, 22h. Domingo, 19h. R$ 40 a R$ 50.

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